terça-feira, 6 de junho de 2023

Conquista do MST, IV Romaria pela Ecologia Integral, VI Abraço na Serra do Curral e Emergência Climática em MG. Por frei Gilvander

Conquista do MST, IV Romaria pela Ecologia Integral, VI Abraço na Serra do Curral e Emergência Climática em MG. Por frei Gilvander Moreira[1]

Ato Público de Declaração de Emergência Climática em MG, na represa de Vargem das Flores, em Contagem, MG, dia 05/06/23. Foto: Frei Gilvander Moreira

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conquistou sentença judicial da Vara Agrária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) garantindo a posse do Quilombo Campo Grande para 459 famílias que ocupam o latifúndio da ex-usina Ariadnópolis há 25 anos, no sul de MG, no município de Campo do Meio. Dia 23 de março de 2023, a juíza Janete Gomes Moreira, substituta da Vara Agrária TJMG, baixou sentença negando reintegração de posse ao espólio da ex-usina Ariadnópolis que reivindicava judicialmente o despejo do Acampamento Quilombo Campo Grande, composto por 459 famílias que se auto-organizam e subdividem-se em 12 Acampamentos, quais sejam: Acampamento Girassol, com 45 famílias; Acampamento Potreiro, com 63 famílias; Acampamento Fome Zero, com 30 famílias; Acampamento Resistência, com 43 famílias; Acampamento Tiradentes, com 27 famílias; Acampamento Rosa Luxemburgo, com 76 famílias; Acampamento Irmã Dorothy, com 13 famílias; Acampamento Chico Mendes, com 16 famílias; Acampamento Betinho, com 27 famílias; Acampamento Sidnei Dias, com 78 famílias; Acampamento Marreco-Vitória da Conquista, com 31 famílias e Acampamento Coloninha, com 13 famílias.

Na decisão a juíza fundamentou sua decisão justa, constitucional e sensata usando, dentre outros, os seguintes argumentos jurídicos: “Para obter a procedência de sua pretensão, cabe ao autor provar, nos termos do artigo 561 do Código de Processo Civil, (I) sua posse. Possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, conforme artigo 1.196 do Código Civil. Ou seja, é considerado possuidor aquele que tem, de fato, o exercício dos poderes de fruição, ou utilização, ou reivindicação ou disposição da coisa.” O espólio da ex-usina Ariadnópolis não comprovou ter posse.

Laudo Socioeconômico e Produtivo das Comunidades Rurais da Área da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), desenvolvido pela Secretaria do Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA) (Id. 6437348032), concluiu que “as famílias organizadas pelo MST realizaram a primeira ocupação das áreas da antiga CAPIA no ano de 1998, o que restou demonstrado através de imagens de satélite de 2004 a 2018 o processo de ocupação das famílias nas áreas”. A requerente CAPIA não comprovou que exerceu a posse anterior sobre o imóvel objeto da Inicial que requeria reintegração de posse, sendo certo que a prova de domínio do bem é irrelevante para fins de proteção possessória, uma vez que não se discute o direito real de propriedade, mas apenas a existência de situação fática que configura a posse.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou em recurso sobre reintegração de posse: "Não basta ao autor da ação de reintegração de posse provar o domínio (ter escritura com registro em cartório e pagar tributos). Exige-se que demonstre a sua posse. Recurso não conhecido."[2] São requisitos para a reintegração na posse a prova da posse anterior do requerente, perdida mediante esbulho; o pedido de reintegração condiciona-se à coexistência dos requisitos previstos na norma do artigo 561 do Código de Processo Civil (CPC).  As ações possessórias têm como objetivo discutir, tão somente, o direito de posse, sendo irrelevantes, portanto, alegações de direito de propriedade, conforme previsto na norma do §2º do artigo 1.210 do Código Civil.[3] Para o deferimento da liminar de reintegração de posse, se faz necessária a comprovação do preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC, quais sejam a posse anterior, o esbulho e sua data, que deverá ser inferior a ano e dia da propositura da ação possessória. Consubstanciando-se a demonstração da posse prévia em alegação de propriedade, deve ser indeferida a liminar possessória. Recurso desprovido.[4] Comprovado que o proprietário não exercia a posse do imóvel, inviável o manejo das ações possessórias para reaver o bem.[5]

Com a decisão acima, está pavimentado o caminho para que o presidente Lula, segundo a lei 4.132, decrete a desapropriação do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis e destine definitivamente os quase 4.000 hectares de terra para a reforma agrária, o que vem sendo feito na marra nos últimos 25 anos. Viva o MST e a luta pela terra! O conflito de Terras no Quilombo Campo Grande em Campo do Meio, região sul de Minas Gerais perdura por 25 anos, tendo 459 famílias acampadas e cerca de 2.000 pessoas morando no território. Ao longo de sua trajetória o acampamento passou por 11 reintegrações de posse, a mais recente foi em agosto de 2020, no meio da pandemia, onde 14 famílias tiveram suas casas e lavouras destruídas pelo aparato do estado em conluio com latifundiários, bem como a Escola Popular Eduardo Galeano.

Dia 03 de junho (de 2023) realizamos na Comunidade Quilombola de Pinhões, no município de Santa Luzia, MG, a IV Romaria pela Ecologia Integral da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG, que contou com a participação de Movimentos socioambientais e mais uma vez ecoaram fortemente gritos clamando pela anulação do leilão e assinatura do contrato do Rodoanel (Rodominério) na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tramita na Justiça Federal uma Ação Civil Pública da Federação Quilombola de Minas Gerais – N’Golo - que exige a anulação do leilão do Rodoanel feito de forma ilegal e autoritária pelo governador de MG, Romeu Zema, dia 12 de agosto de 2022, na Bolsa de Valores de São Paulo, SEM ter feito a necessária Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais que serão brutalmente atingidas pelo rodominério. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU (Organização das Nações Unidas), tratado internacional ratificado pelo Brasil em 2004 que o Estado faça Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais toda vez que um empreendimento do Estado ou de empresas afetar estas Comunidades. O Ministério Público Federal apresentou PARECER contundente exigindo a anulação do leilão do Rodominério, porque foi feito sem a necessária Consulta Prévia . Conseguirmos também na luta popular a revogação da Resolução do Zema/SEMAD/SEDESE, que amordaçava e aniquilava o Direito à Consulta ao tentar impor que em Minas Gerais a empresa que fosse implementar um projeto do grande capital tivesse o direito de fazer a Consulta às Comunidades Tradicionais, em apenas 100 dias, um absurdo inaceitável, pois seria o mesmo que “raposa consultar as galinhas no galinheiro” para determinar a ordem de morte para todas as galinhas.

Dia 04 de junho, realizamos o VI Abraço na Serra do Curral em Belo Horizonte, na divisa com Nova Lima, MG. Após concentração no Parque das Mangabeiras, subimos a pé uns 6 Km de caminhada até o Pico Belo Horizonte, que está tendo sua base carcomida pela mineradora Ipabra, sendo que do outro lado do Pico Belo Horizonte está a cratera da Mina de Águas Claras, que carcomeu quase toda a Serra do Curral, atrás do bairro Mangabeiras. Vimos que a “casquinha” da Serra do Curral, que ainda resiste impedindo que uma “montanha” de água da cratera da Mina de Águas Claras cause um tsunami inundando dezenas de bairros de BH. Filmamos no local um “grampeamento” com “cimento e ferro” desta “casquinha” de Serra do Curral, pois estava em processo de erosão e rachaduras.

Dia 05 de junho (de 2023), Dia do Ambiente, que nos interpela a defender com ardor os territórios, exercitando nosso Direito de dizer NÃO aos grandes projetos do capital e defender a alegria de conviver em um ambiente livre e sadio, dezenas de representantes de Movimentos socioambientais, Povos Indígenas e parlamentares de esquerda, lançamos, em Ato Público, na Prainha da Represa de Vargem das Flores, em Contagem, MG, o Decreto Popular de Emergência Climática em Minas Gerais, considerando que durante o 19º Acampamento Terra Livre realizado em Brasília, entre os dias 24 e 28 de abril de 2023, a Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) decretou Emergência Climática Nacional fazendo eco ao clamor de cura da Mãe Terra. No Decreto Popular consta que “nas Minas Gerais não é diferente, pois com o governador Zema, em conluio com as grandes mineradoras, a “boiada” segue passando a todo vapor e, infelizmente, nos Gerais, ela é reforçada pelo trem da mineração, que solapa vidas e o meio ambiente.”

Entre muitas denúncias, no Decreto está que “O megaprojeto de construção do Rodoanel Metropolitano, concessão pública repleta de ilegalidades e violações que, na verdade, deveria se chamar “Rodominério”, talvez seja o melhor  exemplo da opção do governo Zema pelo aprofundamento do rodoviarismo altamente poluente, baseado no veículo individual privado, ao invés do fomento e investimentos em transporte público e modais não motorizados, como determina a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012). Ainda, o bilionário Rodominério, no qual o Zema quer usar os recursos da reparação dos atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho, representa um projeto para viabilizar o escoamento de minério de diversas mineradoras para a criminosa Vale.”

No final do Decreto de Emergência Climática consta: “Para que possamos zelar pelo bem viver, contribuindo com o equilíbrio  climático, decretamos a viva voz Emergência Climática nas Minas Gerais e reivindicamos de todos os poderes do Estado:

1.     Revogação imediata da concessão privada de construção e operação do Rodoanel Metropolitano;

2.     Respeito à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);

3.     Demarcação das terras indígenas;

4.     Reconhecimento, proteção e titularização das comunidades quilombolas rurais e urbanas;

5.     Proteção da Serra do Curral, da Mata do Baleia e de todas as serras, matas e águas de nosso estado;

6.     Respeito aos Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas,  dos Vales do Jequitinhonha e  do Rio Pardo, fortemente afetados e ameaçados pela política de destruição do governo Zema com projetos como o “Vale do Lítio”, Nova Aurora, SAM e Mineroduto, que envolve a venda destruição de nossos territórios, reduzindo-os a “riquezas minerais”, para o capital estrangeiro. Não somos Vale do Lítio, somos Vale do Jequitinhonha! Somos Gerais e não distritos ferríferos. Em defesa da Serra e dos Povos do Espinhaço.  

7.     Regularização dos territórios e Certificação de autorreconhecimento  dos Povos e Comunidades Tradicionais e respeito aos seus modos de vida;

8.     Criação do Comitê Mineiro de Mudanças Climáticas (CMMC) com participação majoritária da sociedade civil organizada;

9.     Atualização e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, incluindo os planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento nos biomas e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas;

10.  Imediata posse e reativação da Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT), com orçamento próprio e condições de funcionamento, para que tenhamos no estado de Minas Gerais um espaço institucional de proteção desses povos;

11.  Revisão  da composição do COPAM garantindo representação paritária entre estado e organizações sociedade civil, representada efetivamente pelas organizações ambientalistas e não pelas concessionárias e entidades representativas do setor econômico;

12.  Estabelecimento de Zonas Livres de Mineração, com respeito e garantia definitiva dos nossos Parques, Reservas e Unidades de Conservação: Gandarela, MONA Moeda etc. no intuito de coibir as permanentes tentativas de ataque e desafetação dessas áreas e suas zonas de entorno.

13.  Manutenção da COPASA como patrimônio público do povo mineiro. Não à privatização!”

 

Sigamos firmes na luta por direitos, com mobilização popular, na certeza de que somente com a união das forças vivas da sociedade é possível alcançar conquistas e empreender a necessária transformação do Estado e da sociedade, de forma que seja justa, fraterna, com respeito à vida em toda sua biodiversidade.

06/06/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Decreto de Emergência Climática em MG: Mov. Socioambientais/ Partidos de esquerda, Vargem das Flores

2 - Arquidiocese de BH realiza IV Romaria pela Ecologia Integral em Pinhões, Santa Luzia/MG. Vídeo 4

3 - Denúncia da mineração devastadora na RMBH: IV Romaria pela Ecologia Integral, Pinhões, Sta Luzia/MG

4 - Denúncia do Rodoanel, Rodominério na RMBH: IV Romaria pela Ecologia Integral, Pinhões/Santa Luzia/MG

5 - VI Abraço na Serra do Curral em BH/MG: Parque Nacional da Serra do Curral, JÁ! Fora, mineração! Víd1

6 - NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490. Senado e STF, DERRUBEM este PL do genocídio! Por frei Gilvander

7 - IV Romaria pela Ecologia Integral em Santa Luzia MG na Comunidade Quilombola de Pinhões. Vídeo 1

8 - MST conquista sentença judicial q garante posse do Quilombo Campo Grande p 500 famílias, no sul d MG


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] STJ. 4ª Turma. REsp nº 150.267/PE. Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ: 29/05/00, pág. 157.

[3] TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.262011-5/001, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/06/2019, publicação da súmula em 14/06/2019.

[4] TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.112290-4/001, Relator(a): Des.(a) Amorim Siqueira, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/04/2019, publicação da súmula em 12/04/2019.

[5] TJMG - Apelação Cível 1.0433.11.030791-8/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2019, publicação da súmula em 08/02/2019.

 

terça-feira, 30 de maio de 2023

NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander

 NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander Moreira[1]

“Estamos em defesa de nosso território sagrado, de nossos direitos tradicionais, contra o PL 490, contra o Marco Temporal, que quer retirar nosso direito ao território!” – Kaw Gamella, do Povo Akroá-Gamella. Foto: RAMA

Recentemente foi aprovado na Câmara Federal o arcabouço fiscal, que põe cercas para as contas públicas e para os investimentos do Governo Federal. Deixaram totalmente livre a destinação de quase 50% do orçamento para amortização e pagamentos de juros da impagável dívida pública, que quanto mais corta mais cresce. Por que não limitar este montante repassado para os banqueiros? Em breve, o Governo Lula poderá “estar nas cordas” asfixiado pelos ditames do mercado idolatrado embutido no arcabouço fiscal. O Congresso Nacional mais à direita da história do Brasil já está mostrando suas garras. Maioria da Câmara Federal, de direita, do agronegócio, insiste em continuar o genocídio indígena e continuar empurrando a humanidade para seu fim, em decisões tais como a que retira competências dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Retirar do Ministério dos Povos Indígenas a prerrogativa de demarcação de terras e amordaçar os poderes do Ministério do Meio Ambiente retirando dele a Agência Nacional de Água (ANA), o gerenciamento sobre o saneamento e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) significa empurrar o povo brasileiro e toda a biodiversidade para o sacrifício no altar do ídolo capital precipitando a ocorrência de eventos extremos que vem causando desastres e mortandade de pessoas e animais de forma cada vez mais espantosa.

Na última semana, 262 deputados da Câmara Federal, do centrão e da extrema-direita, sob o comando do deputado Arthur Lira, aprovaram “urgência” para o PL 490/2007, que busca legislar sobre o “marco temporal”, assunto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pôs em pauta para ser julgado a partir de 07 de junho próximo. Outros quinze projetos de lei foram apensados ao PL 490. Com o carimbo de “urgente”, o PL 490 deverá ser votado na Câmara Federal hoje, 30 de maio. Isto é violência brutal, pois significa a Câmara Federal “passar a boiada” amordaçando as prerrogativas do poder executivo federal, que tem a missão constitucional de demarcar as terras indígenas. A Constituição de 1988 definiu que as terras indígenas deviam ser demarcadas dentro de cinco anos, a partir de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, até 1993, mas já se passaram 35 anos e a postergação da demarcação das terras indígenas tem sido a regra. E, injustamente, as terras dos Povos Indígenas continuam griladas por empresas do agronegócio, por latifundiários e madeireiros.

Com isso, o genocídio indígena continua há 523 anos e a devastação ambiental promovida pelo agronegócio, desmatadores e garimpeiros segue em uma progressão geométrica.

Dia 7 de junho de 2023, o STF deve retomar o julgamento da tese do marco temporal, com “repercussão geral” reconhecida, que definirá se as demarcações de terras indígenas no país continuarão ou não, ou pior, se poderão ser canceladas várias demarcações já feitas. A partir de um caso concreto de conflito entre o Povo Indígena Xokleng e o Estado de Santa Catarina, pela “repercussão geral” já estabelecida pelo STF, o julgamento servirá de decisão que será parâmetro para todas as demarcações de terras indígenas no Brasil. Logo, é muito sério o que está em disputa no STF.

O que é a tese do marco temporal? Trata-se de uma farsa perpetrada no Congresso Nacional pela bancada ruralista em 2009, plantada no STF, durante o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa Terra do Sol, situada em Roraima: a inconsistente tese preconiza que os direitos territoriais dos Povos Indígenas só teriam validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da atual Constituição Brasileira. Falar em marco temporal é uma jogada, uma ficção jurídica de quem tem grandes interesses econômicos nos territórios indígenas: a turma do agronegócio, dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e empresários do campo, todos os que são adeptos do ídolo mercado, os que não amam o próximo e nem as próximas gerações, pois só pensam em lucrar e acumular capital, mesmo que deixando terra arrasada com sua agricultura mecanizada para produzir commodities para exportação. Marco temporal é marca do atraso, o nome elegante do genocídio, uma máquina de moer a história dos Povos Indígenas e nos empurrar para a dizimação da humanidade por falta de condições ambientais que assegurem a vida humana.

O que os capitalistas pretendem com a legitimação da tese do marco temporal? Pretendem anistiar os crimes cometidos contra os Povos Tradicionais relacionadas à escravidão, torturas, confinamentos em pequenos territórios, aprisionamentos, exílios, remoções forçadas, desterros, separação de familiares, assassinatos, apropriações indevidas de territórios tradicionais, desconsiderando assim as noções de reparação histórica, de dívida histórica com os Povos Originários, de resguardo cultural e imemorial, de direitos congênitos, imprescritíveis, intangíveis e da posse coletiva da terra.

O argumento do marco temporal é inconstitucional e inconvencional, ferindo, em especial, os artigos 231 e 232 da Constituição[2], além de desrespeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n. 169, de 1989, ratificada pelo Brasil, que consagra os direitos culturais e territoriais, bem como a autodeclaração, como instrumento primaz da identidade étnica, além do reconhecimento das diferentes formas de ocupação, manejo e uso da terra.  Segundo a teoria do indigenato (Direito Originário), a terra é “originária” e, portanto, anterior à Constituição do Brasil, independente da data de comprovação da terra.  A tese do marco temporal é inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988, porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros, latifundiários, garimpeiros e jagunços. Marco temporal serve ao agronegócio, que é devastador ambientalmente, desertificador dos territórios, concentrador da propriedade privada da terra, produtor da epidemia de câncer e da fome, asfixiador da agricultura familiar camponesa agroecológica, exterminador do futuro da humanidade.

Derrubar a tese do marco temporal se tornou necessário também por uma questão de sobrevivência da humanidade, pois já sabemos que foi o exagero de desmatamento que fez eclodir a pandemia da covid-19, já está comprovado que o agronegócio e seus aliados promovem desertificação dos territórios, desmatamentos sem fim e, portanto, o aquecimento global e a emergência climática. Já está demonstrado que nos territórios indígenas se pratica preservação ambiental, pois os Povos Indígenas são guardiões da floresta. É preciso recordar também que com a demarcação dos territórios indígenas, as terras não passam a ser de propriedade dos Povos Indígenas, que têm apenas o direito de usufruto não podendo vender a terra. As terras indígenas são da União, bem comum do povo. Portanto, derrubar o marco temporal é também caminho para frear a privatização e a grilagem de terras no Brasil.

Quem defende que o marco temporal é constitucional? Os ruralistas, deputados e senadores do centrão e da extrema-direita, os agronegociantes, os garimpeiros, mineradoras, os latifundiários e empresários que, além de ter grandes propriedades na cidade, são também grandes proprietários de terra; a mídia controlada por meia dúzia de famílias riquíssimas. Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas e o que defende que direi quem tu és”.

Quem defende a derrubada do marco temporal pelo STF? Todos os Povos Indígenas do Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o papa Francisco, Associação dos Juristas pela Democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), juristas e constitucionalistas de renome, os Movimentos Sociais Populares e Ambientais, enfim, as forças éticas da sociedade.

Caso não seja derrubada a tese do marco temporal no STF, o Estado não mais demarcará terras indígenas e várias das demarcadas poderão ser desmarcadas e, assim, a ausência de demarcação de terras, causará, no médio e longo prazo, um verdadeiro etnocídio e continuará o genocídio indígena no nosso país. Portanto, o justo e necessário é que o STF julgue derrubando a tese do marco temporal, porque é absurdo, inconstitucional e violação aos direitos dos Povos Indígenas/Originários! Em contexto não apenas de mudanças climáticas e de aquecimento global, mas de emergencial climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, impor o absurdo que é a tese do marco temporal é deixar abertas as porteiras para a contínua invasão dos territórios.

30/05/2023

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Demarcação de Terras Indígenas, com Shirley Krenak, Moema Viezzer e Célio Turino

2 - STF Urgente. Relator Fachin reconhece a tutela dos territórios indígenas

3 - #LutaPelaVida - Igreja no Brasil reafirma seu compromisso com a causa indígena. Marco temporal, NÃO!

4 - AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos Indígenas em Brasília.

5 - Em MG, 17 Povos Indígenas com 16 mil pessoas resistem na luta pelos seus territórios. 09/10/2020

6 - STF definirá em julgamento critérios de demarcação de novas terras indígenas. Fantástico. 24/5/2020

7 - Deus Tupã, o Grande Espírito e os Encantados contra o PL 490 e contra o Marco Temporal. Justiça, JÁ!

8 - “Sem Demarcação de terras indígenas não tem Democracia!”. Ato contra PL 490 e contra Marco Temporal

9 - Ato Público em BH/MG contra PL 490, contra Marco Temporal, por Demarcação das Terras Indígenas. V. 1



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

  Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.