A luta pela terra cura as pessoas. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Para os
Sem Terra do Acampamento Dom Luciano Mendes, hoje assentados no Assentamento
Dom Luciano Mendes, no município de Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha,
MG, a ignorância e o coronelismo impediram o início da luta pela terra em Salto
da Divisa e percebem que a chegada das Irmãs Dominicanas, da Comissão Pastoral
da Terra (CPT) e do MST[2]
trazendo conhecimento e apoio foi o que desencadeou o processo de luta pela
terra no município. Como se deu isso? Em uma Roda de Conversa, no Acampamento
Dom Luciano Mendes, dia 21 de setembro de 2014, Aulerino Lopes do Nascimento, um
abnegado lutador pela terra explica: “Foi
apertando de lá pra cá. De Belo Horizonte pra cá. Foram ocupando, ocupando,
tombando de lá pra cá, até chegar aqui. Eu era acampado em um acampamento do
MST em Belmonte, na Bahia. Eu liguei o rádio e ouvi uma reportagem falando de
um acampamento em Salto da Divisa. Eu resolvi largar o acampamento lá e vir
aqui para o Salto da Divisa. Várias pessoas falaram para eu não vir. Diziam que
eu iriam me matar, pois os coronéis aqui eram valentes. Mas eu já conhecia o
Salto da Divisa e o povo da região. Eu sabia que a terra aqui era boa. Chegou a
notícia que tinha uma mulherzinha baixinha, que era um trem doido de coragem,
estava cadastrando o povo. Então foi assim: essa pessoa pequena e magrinha veio
chegando, contando umas coisas novas e o povo foi deixando de ser besta como
naquele tempo. Assim o conhecimento foi chegando, foi encostando e as pessoas
passaram a acreditar devagarinho. É assim, três pessoas têm medo de ir ali
quebrar aquele pé de manga (aponta para a mangueira), mas se juntar seis
pessoas, todas perdem o medo e vão. Hoje, eles ameaçam, mas eles têm medo também.”
A
‘mulherzinha baixinha’ é irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca), agente de pastoral da CPT, a
freira que desde fevereiro de 1992 atua pastoralmente em Salto da Divisa junto
aos camponeses expropriados e superexplorados. Aureliano revela que o início da
luta pela terra em Salto da Divisa se deu em um processo que envolveu: a) ouvir
notícias de ocupações de terra em muitas partes do país; b) conhecer que ‘a
terra é boa’; c) conhecer bem a realidade local; d) ter o apoio e o acompanhamento
de alguém com autoridade moral ou de um movimento popular idôneo para
acompanhar o povo, no caso irmã Geraldinha; e) reunir os sem-terra, pois a
força dos oprimidos e explorados está no número. Quando se reúnem, se organizam
para lutar coletivamente fazem coisas que sozinhos, ou poucos, não conseguiriam
fazê-las por medo e falta de coragem.
Camponesa
Sem Terra de primeira hora do Acampamento Dom Luciano Mendes, Dona Maria
Francisca Gonçalves de Souza adotou uma criança de cinco meses que estava quase
morrendo: o Daniel Gonçalves de Souza, filho do irmão dela. Daniel, criança com
várias deficiências – não mexia direito, todo entrevado – desde os primeiros
meses de vida. A médica pediatra após consultá-lo afirmou que o menino iria
morrer no acampamento. Mas foi decisivo para o resgate da saúde da criança: o
cuidado, a dedicação e o amor dispensados por dona Maria à criança, levando-o
para o rio Jequitinhonha, que passa ao lado do acampamento e colocando-o para
brincar na areia, sapatear nas águas e na areia do rio. “Assim, o menino se recuperou e está hoje andando e correndo pra todo
lado. Vai para a escola e até joga bola. Daniel foi salvo aqui no acampamento
Dom Luciano Mendes”, comemorou irmã Geraldinha dia 21/9/2014. Eis um
exemplo de que a luta pela terra cura as pessoas. Resgatar a saúde é uma das
dimensões da pedagogia de emancipação humana. O filho de dona Cleonice, no
acampamento Dom Luciano Mendes, também se recuperou do vício das drogas. José
Batata se libertou do alcoolismo. O Mardone, da Ocupação-Comunidade Dandara, em
Belo Horizonte, chegou à Dandara andando de muletas e começou a ser mestre de obra amparando-se nas
muletas para construir o Centro Comunitário prof. Fábio Alves, da Dandara. A
vida na Dandara, com horta no quintal, com a amizade e a solidariedade de
todos, contribuiu para que ele, depois de um ano, largasse as muletas, após
passar vários meses em um acampamento do MST em Esmeralda, na região
metropolitana de Belo Horizonte, onde tomava banho no rio e fazia
hidroginástica.
A luta
pela terra, na experiência de acampamento, tem o poder de curar e resgatar a
saúde das pessoas, além de resgatar as relações humanas quebradas. Na Roda de
Conversa, a Sem Terra, hoje assentada no Assentamento Dom Luciano Mendes
Adenilza Soares Rodrigues disse com alegria: “Quando eu cheguei aqui, eu dependia de remédio para conseguir dormir.
Eu sofria insônia e depressão. Cheguei aqui quase morta. Eu renasci aqui no
acampamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa. Minha saúde melhorou aqui.
Tenho três filhos, mas um não mora comigo. Tenho três enteados. Um dos meus
filhos vivia com bronquite lá na cidade. Depois que chegou aqui no acampamento,
meu filho vive brincando na terra e está curado da bronquite. Não precisei mais
levar ele no hospital e tomar aquele monte de xarope.”
O
acampamento gera saúde também no povo acampado, conforme nos relata Cleonice
dos Santos Silva Souza, Sem Terra destemida: “É muito raro alguém aqui do acampamento Dom Luciano precisar ir ao
hospital. Nosso melhor remédio aqui é a alimentação saudável, o ambiente de paz
e tranquilidade e a nossa convivência na amizade”. Na luta pela terra
vários processos emancipatórios se desencadeiam, um deles é o resgate da saúde
das pessoas. “O bem-estar começa pela
alma, pelo psicológico”, nos disse a Sem Terra Daniela Rodrigues Oliveira,
do Acampamento Dom Luciano. “Aqui, nós
comemos o que plantamos. Nosso alimento é saudável, sem agrotóxico. Nossas
verduras têm gosto. As verduras lá da cidade nem gosto têm mais”,
complementou Cleonice Silva. “Aqui temos
saúde, porque temos alimentação saudável, ar livre, sossego, sono tranquilo,
trabalho coletivo e prazeroso, convivência na amizade, tudo isso ajuda para a
gente manter nossa saúde”, nos disse Aldemir Silva Pinto. “Tem coisas que lá na cidade tem que aqui no
acampamento não tem. Aqui tem menos, mas tem o melhor”, pondera Ozorino
Pires.
Diante do
exposto, conclui-se, sem sombra de dúvidas, que da mãe terra vêm a cura e o
equilíbrio do corpo, da mente e da alma, saúde plena. A terra, sagrada, é
direito de todos os filhos e filhas, criados à imagem e semelhança de Deus; é
direito de toda a criação; e a luta pela terra se faz pedagogia de emancipação
humana!
10/5/2022
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - MRV tem
terrenos demais em Betim/MG. Injusto despejar 111 famílias da Ocupação Pingo
D’água. Vídeo 2
2 - Marcha do Povo
da Ocupação Pingo D’água, Betim/MG, até MP/MG: luta por moradia. Despejo, NÃO
Vídeo 1
3 - Despejo por
especulação imobiliária? “Não serão despejados!” Quilombo Araújo, Betim, MG.
Vídeo 3
4 - “Despejar
Quilombo Araújo p doar terreno p empresário é racismo” Quilombo Araújo,
Betim/MG. Vídeo 2
5 - Dep. Andreia
de Jesus/DH-ALMG visita Quilombo Araújo, Betim, MG: "Despejo aqui é
racismo!" Vídeo 1
6 - Manifesto
CLAMOR da Ocupação Pingo D’água, Betim/MG.104 famílias, despejo pelo MRV? E
Apoio. Vídeo 6
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor
da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no
SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Movimento dos trabalhadores
Rurais Sem Terra - www.mst.org.br
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